POVO NASCI NUMA ALDEIA
POVO SOU NUMA CIDADE
E NÃO SOU VELHO, NEM
NOVO
QUE O POVO NÃO TEM
IDADE
Os poetas são loucos
Porque os poetas amam a noite:
As
noites não têm luz
E
se calhar é isso
Os
poetas usam a escuridão
Para
verem para além das coisas
Os poetas são loucos
Utópicos e paradoxais:
Cantam
loas à vida
E suicidam-se, noite dentro
No fumo do cigarro
E
na bebida
Os poetas são loucos
Mas necessários:
Fazem-nos
amar as florestas,
O
mar e as estrelas,
Os
animais
Ah!
E o próprio amor
Porque,
Com
as palavras,
Que são a sua principal
ferramenta,
Pintam a vida
De outra cor
E depois
Porque são loucos
Os poetas perdem-se na noite
Tal e qual como a cigarra
Sobretudo se está escuro
E há silêncio
Para acompanhar o som
De uma guitarra ~
LEVAM-ME
OS CAMINHOS
Eu
nasci no Minho
Atrás
de uma pedra
Levam-me
os caminhos
Pr`a
fora da terra
Eu
fui à aventura
Para
lá dos montes
Quis
embebedar-me
Na
água das fontes
Nuns
olhos de Moura
Fiquei-me
eu cativo
Quero
regressar
Mas
já não consigo
Que
eu nasci no monte
Sem
ser semeado
Fruto
dos amores
Da
Rosa e de um Cravo
EM
SONHOS FUI
Cavaleiro
andante em meus sonhos fui
Travei
mil batalhas em honra das damas
Moinhos
de vento que eu combatia
Foram-se
na chamado nascer do dia
Já fui um Camões no meu sonho
heroico
De Goa a Malaca em mil epopeias
Perdi-me nos cantos das vozes supremas
Que dizem ser apenas cantos de sereias
Já
fui um pirata, em ilhas desertas,
Enterrei
tesouros á luz dos archotes
De
espada afiada já cortei as barbas
A
um Barba-ruiva e a outros mais fortes
E de sonho em sonho vou realizando
Minhas mil quimeras, minhas utopias
Por isso eu amo a noite que me dá tais sonhos
Contraste ao real que há na luz dos dias
Sonho
em cada sonho que me acontece
Que
vou conseguir transformar o mundo
Sou
um Don Quixote que não esmorece
Nesta
nau furada que não vai ao fundo
OLHOS
DOCES
Há
olhos que me dizem sem falar
Muito
mais do que eu contava ouvir
Há
olhos doces, olhos meigos como penas
Que
são prisões de onde ninguém quer sair
Há
olhos verdes tão profundos como o mar
E
olhos azuis que através deles vejo o céu
Olhos
castanhos que encantam tanta gente
Que
corro o risco de também me perder eu
Há
quem diga que pelos olhos se vê a alma
E eu acredito porque sinto que assim é
Ao olhá-los logo se acende uma chama
Que até um ateu neles encontra um mar de fé
E eu acredito porque sinto que assim é
Ao olhá-los logo se acende uma chama
Que até um ateu neles encontra um mar de fé
Por
isso canto os olhos todos que me encantam
Sejam
verdes, escuros ou azuis
O
que eu preciso é olhá-los nos meus olhos
E
de perder-me como peixes nos anzóis
O
VENTO SABE O QUE QUER
Cantigas
leva-as o vento
Nenhures
as deve guardar
E
vão da fama ao esquecimento
Se
perdidas no momento
Em
que se ouvem cantar
Quem
me dera que o talento
Me
ajude a fazer canções
Que
o povo cante ao relento
Naquele
contentamento
De
quem vive as emoções
Não
há nada mais bonito
Que
ouvir um povo a cantar
Canções
que se tornam um mito
No
imaginário infinito
Da
cultura popular
Cantigas
leva-as o vento
E
o vento sabe o que quer
E
quem andar bem atento
Pode
ouvir o próprio vento
Em
contratempo a cantar
FADÁRIO
PORTUGUÊS
Somos
um velho navio
Adornado
e vazio
Sem
velas nem remos
Quedos
olhamos pró céu
À
espera que um Deus
Faça
o que não fazemos
Temos
as solas furadas
E
as pernas cansadas
De
andarmos pra trás
É
urgente usar o juízo
Navegar
é preciso
Para
quem for capaz
É
urgente largarmos do Porto
Trespassar
o mar morto
Pra
uma praia maior
É
urgente usar o juízo
Navegar
é preciso
Sem
um Adamastor
ROMARIA NO MINHO
A romaria no Minho
Começa cedinho
Com uma bomba a estoirar
às tantas vem uma banda
“Trarau-catrapamba”
Foguetes no ar
Vêm
bombos redondos
Cabeçudos
medonhos
De
estremecer
A
romaria no Minho
Começa cedinho
Tem
muito que ver
Concertina de voz afinada
Numa desgarrada
Com bombo à mistura
E um terno de vozes perfeito
Cantado a preceito
Com muita ternura
Um
velho com ar de cansado
Encostado
ao cajado
Folgando
o trabalho
Enquanto
fuma um cigarro
Vai mirando o barro
Da
Rosa Ramalho
Garotas de saias bordadas
Corações e rosas
De todas as cores
As voltas caindo no peito
Naquele seu jeito
De rosas em flor
Chinelas
nas voltas do vira
Do
vira que vira
E
torna a virar
Na
romaria do Minho
Canta o cavaquinho
Deixá-lo cantar
D’OURO
O
Rio Douro é Dragão
De
escamas feitas corrente
É
a alma viva da gente
Que
enfrenta a fúria do mar
Serpente
a enrolar-se no leito
Como
um corpo de mulher
É
de ouro maduro e de casta
Nas
vinhas e nos penhascos
Dos
montes feitos cascata
Por
onde crescem vinhedos
Outrora
vindos nos cascos
Dos
velhos barcos Rabelos
É
de ouro que ouro não tem
Ontem
partida e chegada
De
outras terras além
O
Douro celebra a vindima
Com
bombo e concertina
Vai
pisar uvas descalço
Beber
de infusa que anima
Relembre
velhas cantigas
Que
a tradição nos ensina…
Chora a “bideira”, oh “bideirinha”…
MARIA
DOS GUINDAIS
Manhã
cedo, escada abaixo
Pra
ribeira, vai segura e vai ligeira
A
Maria dos Guindais
Bate-lhe
o vento na farta cabeleira
E
Vai segura e vai ligeira
Vender
o peixe no cais
Merque freguesa, venha ver esta
sardinha
Que é da nossa e tão fresquinha
Que dá um gosto de ver
É boa assada e frita de cebolada
Leve freguesa pra casa
Que melhor não pode haver
A
tarde vem, chega a hora do regresso
Lá
vai ela no seu passo
A
subir pelos Guindais
Maria
Franca troca sorrisos e avança
Como
se fosse criança
A
imitar os pardais
Vai
cansada, meia morta
Mas
de chama sempre a arder
É
como o Douro a correr em águas soltas
Tão
livre como as gaivotas
Naquele
jeito de ser
Merque freguesa…
MARESIAS
O
mar é eterno amante desta terra
A
quem abraça, a quem namora
A
toda a hora
O mar tem marés que fica bravo
E eu penso que é de cansado
De andar à noite a marejar
O
mar, em noites de lua cheia
Espraia
a preguiça na areia
A
descansar
O mar se às vezes é tormenta
Há que aportar, paciência
E
a terra, amante braços abertos
Fica
à espera em silêncio
Sem
se queixar
É que ela sabe que ele vai e
regressa
Na maré alta e na baixa
A murmurar
(1º
prémio de poesia no 1º Festival do Mar – organizado pela Camara Municipal de
Matosinhos)
TERRA
MÃE
Terra
mãe
Que
num orgasmo perfeito
Pariu
o verde das ervas
E
o vermelho das flores
Terra
mãe
Mirrada
pelo tempo
Descoberta
pelo mundo
Nos
descobrimentos
Terra
mãe
É
mulher, minha amiga
É
peito das raparigas
Nas
colinas da serra
Terra
mãe
Tu
és pólen das flores
De
que num ato de amor
Terra
fel
Emigrada
pelo mundo
Cantada
num fado
Revivida
no vinho
Terra
mãe
Tu
és ave que volta
Feito
um cavalo à solta
Nos
campos do Minho
OLHA
A BALANÇA QUE DANÇA
Muito
pobre é quem nunca teve um amigo
Muito
pobre é quem tem dinheiro e não tem
Quando
a hora é negra e o momento de perigo
Um
conselho amigo e um conforto também
Olha a balança que dança meu irmão
Dança, balança e não cai
Muito
pobre é quem nunca tem problemas
Que
uma vida assim é sinal sem sentido
Pois
quando desanda a roleta da sorte
Fica
naufragado sem porto de abrigo
Olha a balança que dança meu irmão
Dança balança e não cai
Anda
meu amigo cantar mil cantigas
Que
quem canta espanta o mal que lhe vai
Faz
como a balança que dança, que dança,
Dança,
balança e não cai
Olha a balança…
BALADA
À COMPANHEIRA
Passaram
tantos anos
Numa
bela manhã
Manhã
fresca em que o sol
Ora
dá e não dá
E
a manhã ficou linda
Que
a morena sorriu
Com
o sorriso mais lindo
Que
mais lindo não há
Passaram os anos
Vieram os filhos
Nasceram sarilhos
Que sarilho não dá
Está mais velha a morena
Mais mulher, mais madura
E com o sorriso mais lindo
Que mais lindo não há
E
se a noite está triste
Cai
a chuva lá fora
E
o vento não para
De
cá para lá
Abro
os olhos, sorrio
Que
a morena ali está
Com
o sorriso mais lindo
Que
mais lindo não há
CANÇÃO
DE ACORDAR
Levo
o meu filho no colo
Vejam
só que graça tem
Sombras
da noite calai-vos no solo
Deixai
sonhar o meu bem
Calai-vos almas daninhas
Que o amanhã já aí vem
Fantasmas do passado calai ladainhas
Deixai sonhar o meu bem
E
agora
Que
a noite está na sua hora
Descansa
Que
o futuro já lá vem
Deixai
sonhar o meu bem
Oh noite vai descansar
Estrelas sonhem também
Um novo dia não tarda a chegar
Vai acordar o meu bem
EM
PAZ
(Dedicada
a Angola após a independência)
Vai
ouvir-se à noite muita batucada
O
bicho no mato, vai fugir de medo
Na
cubata nova a velha sentada
Vai
contar estórias ao menino negro
Falta-lhe uma perna que a mina levou
Faltam-lhe dois filhos que a guerra
matou
Ainda falta à negra longa caminhada
Mas vai mais animada que o pior
passou
Vai
beber “malavo”, vai comer “muamba”
Vai
cantar de novo “com Muxima ué”
Vai
viver a farra até de madrugada
E
vai colher na lavra tudo o que criou
Vai ouvir-se à noite muita batucada
O bicho no mato, vai fugir de medo
Na cubata nova a velha deitada
Vai dormir em paz, sonhar em sossego
REQUIEM POR UM PRESIDENTE
Quando o teu Povo me fez ler o teu poema
E entendi de que lado era a razão
Maldisse a sorte de viver sob um sistema
Que me atirava contra um Povo meu irmão
Quando um ideal fez teu Povo vir pra estrada
Que lhe traçaste para ser independente
Quando esse Povo te chamou de Camarada
Valeu a pena, Camarada Presidente
Terra vermelha, relva verde e céu azul
Velam teu corpo para toda a eternidade
E uma estrela brilha viva aí ao sul
A evocar uma manhã de liberdade
Valeu
a pena viver
Valeu
a pena
(Poema publicado numa coletânea de
textos de poetas portugueses com o título de “Um Postal para Luanda”, onde se
incluem também textos de José Gomes Ferreira, Ary dos Santos, Luís veiga
Leitão, Óscar Lopes, etc.)
UMA
FLOR POR HIROSHIMA
Vai
um homem carrega o botão
O
botão descarrega a metralha
A
metralha desfaz um milhão
Restam
cinzas no chão da batalha
Mas
o homem renasce da cinza
Rasga
a terra e semeia uma flor
Uma flor…
Nunca
mais pode haver Hiroshima
Nunca
mais o troar dos neutrões
Que
nunca mais pra uma esquadra assassina
Os
Açores sejam Porta-aviões
Que
esta gente busca paz e sossego
Como
a abelha procura uma flor
Uma flor…
Nunca
mais quero ver um sistema
Com
tesouras que façam censura
Que
nunca mais se cale um poema
Pois
é morta tão vil ditadura
E
nos canos das nossas espingardas
Primavera,
em Abril, já deu flor
Uma flor…
TRAGO
NOS OMBROS
Trago
nos ombros divisa flutuante
Trago
nas mãos divisas de generais
Com
tanta estrela, tanta estrela cintilante
De
latão que amachucado
Dá
cordas pra violão
Trago nos ossos muitas noites de loucura
Trago nos olhos muitos olhos que eu já vi
Uns eram negros, outros verdes como o cobre
Com verdete, ai quem me acode
Que os azuis andam pr’aí
E
trago notas, trago notas musicais
E
trago cheques, xeques-mate por demais
Ai
quem me acode, quem me acode, quem me acode
Do que me foi prometido
Eu
não vejo nem sinais
Mas
estou temperado que o tempo
Ensina
a quem quiser ver
E
enquanto ando e desando
Não
me canso de dizer
Trago nos ombros divisa flutuante
E trago notas, trago notas musicais
Ai quem me acode, quem me acode,
quem me acode
Do que me foi prometido
Eu não vejo nem sinais
CANTO
DO SILÊNCIO
Quero
ouvir um profundo silêncio à volta de mim
Quero
ouvir-me por dentro e sorrir de tanta loucura
Quero
ouvir minha força medonha de milhões de átomos
Em
silêncio gerando poemas que falam de paz
E se houver por aí quem quiser
Dar-se a tanta alegria
Basta ouvir-se por dentro
Em silêncio
Com muita atenção
Quero
ouvir as estrelas falarem dos amores da lua
No ameno silêncio das noites do fim do verão
Quero
ouvir o murmúrio das ondas embalando-me os sonhos
No
profundo silêncio das águas salgadas sem lágrimas
E se houver por aí…
Quero
ouvir em silêncio as plantas gritarem de cio
Compensando
os insetos, nas flores, com sucos de mel
Quero
ouvir ainda em silêncio voar andorinhas
No
regresso aos beirais ancestrais de mil primaveras
E se houver por aí…
PELOS
AMIGOS ÍDOS
(Peixoto, Zeca, Adriano, Paredes, Zé Viana…)
Começo
a olhar sem ver
Tanta
gente amiga
Tantos
caminhantes
Da
mesma utopia
Tanta
gente séria
Sempre
a olhar em frente
Gente
tão diferente
Gente
a mim unida
E
sinto cá dentro
Tanta
nostalgia
Chamem-lhe
saudade
Ou
outra coisa assim
E
eu vou caminhando
Sei
lá até quando
E
eles no destino
À
espera de mim
38
ANOS DE CASADOS
(9.5.2008)
38
Anos de casados
Tão
lealmente passados
(como
passaram depressa)
Mil
alegrias, mil tristezas
Tantas
dúvidas, certezas
Mas
cumprimos a promessa
E
o segredo deste tempo
A
projetar no futuro
São
carinhos, emoções
Que
os dois vamos pagando
Em
recíprocas, muito ternas
E
suaves prestações
LOBO DO
MAR DA AFURADA
O meu
barco é um velho veleiro
Navegando
ao sabor do vento
Deste
vento que é meu companheiro
Pela
rota do meu pensamento
Largo a
barra à luz do luar
Cada
onda é mais um desafio
Solto a
vela, sou um lobo do mar
Sigo a
sina por onde me guio
É que
este fado, nem sequer é um fado
É meu
destino, mera fantasia
Cada
dia passado é passado
Navegando
da noite pr’o dia
Lanço
as artes já a noite vai alta
Pesco
hoje o que como amanhã
E se o
peixe na rede já salta
Vendo a
sorte ao raiar da manhã
E o meu
barco lá vai navegando
Vou ao
leme e dou voz de comando
Com voz
rouca de lobo do mar
MARIA
Ia
o sol no poente
E
de uma aldeia distante
Fugiste
Maria
A
bagagem era o corpo
A
aventura um sonho louco
Maria
Um
senhor deu-te boleia
No
caminho a tua estreia
Maria
Caíram
sonhos, fantasia
Caíste
no mundo
Vazia
E
quando a noite vier
Sentada
num bar
Cerveja
a granel
Noites
de bordel
Oh
Maria
E
um olhar de criança
Vadio
na Rua da esperança
Que
futuro lhe dás
Oh
Maria
Que
futuro terás
Minha
irmã
Tão
triste!
IRÓNICO
Foi
presidente casmurro
Em
tempos de má memória
Alguns
chamavam-lhe burro
Outros
Cabeça de abóbora
Era
o cabeça de abóbora
Por
ter a tola rapada
Por
fora nem um cabelo
Por
dentro não tinha nada
Ia
um dia em viagem
Com
comitiva erudita
Pr’o
costumeiro trabalho
De
cortar mais uma fita
E
deu-lhe então para reparar
Passavam
que nem foguetes
Em
contrária direção
Levantou-se
e disse:
Que
andar depressa, senhores
Não
há coisa que mais goste
Está
combinado excelências
Pr’a
baixo vamos de poste…
PONTES
VELHAS DO DOURO
Pela
ponte velha vou a Vila Nova
Pela
ponte nova vou a Coimbrões
Vou
a Coimbrões, vou a Canidelo
E
estas pontes velhas
Já
me metem medo
Pela
ponte velha vou a Mafamude
Vou
a Santo Ovídio, a Santa Marinha
Pale
ponte Nova eu vou à Afurada
E
vou a Crestuma
Pelo
rio acima
E
vou de comboio na D. Maria
Balança,
balança, oxalá não caia
Pelo
rio abaixo eu vou à Afurada
Vou
a Coimbrões
Vou
a Canidelo
Que
estas pontes velhas
Já
me metem medo
PUTO DA
SÉ DO PORTO
Um
putozito da Sé
A um
turista dizia
Se me
der duas moedas
“Messieu”
faço de guia
Quem
vem da ponte velhinha
Subindo
chega à Batalha
Nas
paredes há cartazes
Do
cinema da “maralha”
Em 31
de Janeiro
Vê-se
Santa Catarina
E S.
Bento é lá no fundo
A
Liberdade é mais acima
Os Aliados
é a sala
Pr’a
onde levo as visitas
“Messieu”
pelo trabalho
Dê-me
duas moeditas
Desculpe
lá “Messieu”
Se não
me fiz entender
Mas fui
criado na rua
E mal
sei ler e escrever
Um tostãozinho, um tostãozinho…
A
VIDA CONTINUA
Quem é cego vê
Com os olhos da alma
Quem é surdo ouve
Quando a razão chama
Anda
meu amigo
Comigo
pr’a rua
Porque
a vida continua
Se as pernas esquecidas
Não te dão sustento
Não fiques parado
Nem mais um momento
Anda
meu amigo
Comigo
pr’a rua
Porque a vida continua
Pinta com a boca
Se a mão não te ajuda
Canta com os olhos
Se a vida está muda
Anda
meu amigo
Comigo
pr’a rua
Porque
a vida continua
Anda meu amigo
Buscar o
sustento
Não
fiques parado
Nem mais
um momento
(Canção escolhida pela UCNOD –
União Coordenadora dos Organismos de Deficientes, como hino do ano
Internacional dos Deficientes em 1982)
CANTO DO VELHO
Deste corpo quanto suor me saiu
Para amanhar o duro pão que vos criou
Mãos ressequidas por um tempo que traiu
Meigas carícias de uma infância que
passou
Destes lábios quantos beijos eu vos dei
Quando fui pai, quando fui tio e fui avô
Por isso choro este canto em que fiquei
Que eu não mereço que me deixem ficar só
Mas não vos peço um simpático lamento
Nem tão pouco que me façam caridade
Exijo a reforma que me garanta o
sustento
E me permita estar de pé, COM DIGNIDADE
(Poema
oferecido ao MURPI-Movimento Unitário de Reformados Pensionistas e Idosos)
SANTA
TECLA DE BASTO
Santa
Tecla é minha terra
Lá
no Minho semeada
Nas
veias corre-lhe o vinho
Nas
mãos os calos da enxada
Caminhos
cheios de lama
Pão
que o diabo amassou
E
há quem diga que a fartura
Por
ali nunca passou
Santa
Tecla de Basto
Não
recua, nem avança
Restam
velhos e mulheres
Que
os novos foram pr’a França
Senhora
Mãe…já vou!
CANTO
DE LUTA
E
viva a noite em que labuta o padeiro
Que
hora a hora amassa o pão que se come
Viva
a ambulância, o 112 e o Bombeiro
E
viva o fogo em que este Povo se consome
E
viva o riso das crianças na escola
Que
é com amor que todo o mundo faz futuro
Viva
a manhã pr’a que Pedreiro faça casas
De
pedra e cal, vidros e cimento puro
Pelo
dia fora, nos campos, suor amigo
Um
Povo duro, com amor trabalha a terra
E
aves cinzentas fazem sombra ao nosso trigo
Pisam
os cravos e às pombas brancas fazem guerra
E
quem nos rouba este dinheiro que não temos
E
quem nos trai e cede a vis imposições
Tenta
matar-nos toda a esperança que nós temos
Mas
viveremos e amanhã SOMOS MILHÕES
EVOCANDO
GEDEÃO
Não
me conhecias
Mas
eras meu amigo
Porque
soubeste dizer
Quando
eu precisava
As
palavras necessárias
Com os teus poemas
E físicas experiências
Criaste sonhos filosofais
Que a minha geração
Sonhou cantando
Pr’a que o futuro se cumprisse
E todo o mundo avançasse
E
porque a tua obra
A
todos serve
Parafrasearei
a usada norma
De
que na natureza
Nada
se cria nem se perde
Mas
que, com os nossos sonhos,
Tudo
se transforma
PUTO
DA RUA
Ai quem me dera
Ser um putito da rua
Andar a brincar à solta
À sameira e ao pião
Sonhar à toa
Rir de tudo com vontade
Correr os cantos da cidade
Chamar ao rio meu irmão
E num mergulho
Defender a minha equipa
Chutar a bola pr’a longe
E festejar a vitória
Dormir cansado
Numa viela qualquer
Poisando a minha cabeça
No colo de uma mulher
Ai quem me dera
Usar a pasta da escola
Jogar no recreio à bola
Sem pensar no meu futuro
Ai quem me dera
Nunca tivesse crescido
Assobiar à vontade…
Ser um puto divertido
O
ETERNO JOVEM
(Dedicada ao meu falecido tio Serafim de
Magalhães, grande animador de serões, festadas e romarias)
Tive um
tio velho/jovem
Muito
mais jovem que eu
Sempre
pronto a aproveitar
O
melhor que a vida deu
Relembro
aquele velho
A tocar
a concertina
Animando
a própria vida
Por
tantas noites acima
Com
rugas feitas sorriso
Contava
estórias, contente
Embrulhando
a própria vida
Como se
fosse um presente
E este
velho ao partir
Deixou-me
muita saudade
E a
lição que ser jovem
Não tem
a ver com a idade
S.
JOÃO DAS FONTAINHAS
S.
João das Fontainhas
Porto
velho, Porto novo
Tem
cheiro a ervas daninhas
De
alfazema e alho-porro
Folgar
de gente sadia
Que
ri de tudo e de nada
E
esta cidade que é minha
Tem
por rainha a noitada
S.
João das Fontainhas
Vai
da Batalha ao Bolhão
Vai
à Foz e às Condominhas
E
na Praça olh’o balão
E
depois dessa noitada
Acorda
o dia a folgar
Com
cheiro a sardinha assada
E
voz rouca de cantar
À ROSA
MOTA
Não tem
espinhos
Mas
sorrisos
Nas
pétalas do rosto
E nos
olhos tranquilos
O corpo
é franzino
Mas de
força indomável
Não é
flor
É uma
ave
Que voa
por nós
É uma
rosa e um cravo
Com
raízes na Foz
É do
jeito do povo
Que fez
neste mundo
Aquilo
que fez
É
orgulho de novo
Maratonas
de esperança
De ser
português
ESTRADA
FORA
(Dedicada aos emigrantes, em especial à
família Pinheiro, de Feysin – Lyon – França, que me acolheu como família em sua
casa, com um abraço e muita amizade)
São
quilómetros e quilómetros a fio
A
desfiar naquela estrada, com canseira
Em cada
metro, em cada curva, um desafio
Por
essa terra que pr’a nós é passageira
E entre
o ir e o voltar passa-se a vida
Sempre
com a esperança de voltar, em cada instante
Que a
nossa terra é como a terra prometida
Que em
mil cantigas se vai dando ao emigrante
Tocam
os sinos e há foguetes no regresso
E o
tempo foge mais depressa que uma enguia
Volta-se
à estrada que se vence metro a metro
Volta-se
à vida que se vive – o dia-a-dia
Também
sou emigrante, aqui, no meu país
Fora da
terra, do meu Minho, aqui à beira
Tal
como vós sou uma ave que não quis
Morrer
à fome, no seu ninho, sem canseira
FOI EM MAIO
Naquele dia…
Os milhafres
As cobras
Os lacraus
Os vampiros
E os cucos
Costumam esconder-se
Nos seus castelos
De papel
E de títulos
Enquanto isso
Pombas brancas
E gritos vermelhos
Elevam-se em cravos
Das pedras da Avenida
Da Liberdade
Naquele dia…
Faz anos
Muitos anos
Todos nós fomos massacrados
Em Chicago…
MAS VENCEMOS
Amanhã…
Com o que conquistarmos
FAREMOS MAIS CEM ANOS.
RECEITA
DE AMOR
Juntam-se
bem quatro olhos
Negros,
azuis, pouco interessa
A
fermentar de desejos
À
espera que a massa cresça
Junta-se
ainda aventura
Muita
pimenta e então
Ficam
os dois a levedar
Ao
ritmo do coração
Metem-se
em forno suave
Bem
temperados pela vida
E
o tempo fará o resto
Enquanto
a chama é aquecida
Esta
receita é servida
À
luz da lua ou da vela
Espero
que ela vos preste
Mas
é preciso cautela
Muita
atenção às misturas
Pr’a
não ficar estragada
Esta
receita de amor
Se
não for bem aviada
MAR
E SONHOS
Quantas
vezes nossos sonhos
São
marés e fantasias
Quantas
vezes acordamos
E
o paladar que notamos
Sabe
a sal e maresias
Quantas
vezes nossos sonhos
São
sonhos de marinheiro
Cruzando
o verde do mar
Numa
noite de luar
Dentro
de um velho veleiro
Há
quem diga que viemos
Há
milhões de anos do mar
E
enquanto nos transformamos
Não
é em vão que sonhamos
Os
sonhos de marear
Quantas
vezes nos meus sonhos
Golfadas
de ondas do mar
Vêm
correr-me nas veias
Enquanto
oiço as sereias
Cantando
prá me encantar
PACTO
Houve
um pacto entre Deus e o Diabo
Sobre
um país chamado Portugal
Pacto
assinado a verde e a vermelho
Não
publicado nas manchetes dos jornais
Deus escolheu o mar e os peixinhos
O Diabo tomou conta do poder
Escolheu reis, presidentes e outros tal
Que pior nem sequer podia haver
Mestre
Diabo povoou o território
Com
muitas raças, religiões e afins
Ninguém
se entende de modo satisfatório
E
a vigarice vai atingindo os seus fins
O Diabo nomeou os seus gestores
Todos doutores e entendedores de traficância
Deu-lhes poder, deu-lhes leis e seus favores
E mordomias da mais gravosa importância
Começa
o verão e o Diabo lança o fogo
Vende
as empresas que pertencem ao país
E
em troca dá de barato pró povo
A
ideia que vai ser muito feliz
Quando há bonança e muito peixe pr’a
pescar
Deus com bondade deixa vir os
espanhóis
E os pescadores portugueses a mirrar
Vão para o campo à pesca de caracóis
CONCLUSÃO: DE PACTO EM PACTO SE
LIXA O MEXILHÃO!
Bate
o bombo que é redondo
Bate
a caixa com estrondo
E
acertam de vez em quando
Bate
a pala um soldado
Bate
o carro no passeio
Bate
em cheio com paleio
Um
ministro em todo o lado
Bate a massa o pasteleiro
Bate a luz do candeeiro
Bate a lata o funileiro
Bate a chuva na janela
Bate a roupa a lavadeira
Corte e cose a costureira
\bate o tacho e a panela
Bate
a caixa e bate o bombo
Bate
um raio com estrondo
Bate
o mundo que é redondo
Na
rota do quadrado
Bate
a mulher no polícia
Bate
o cabo da milícia
É
melhor estar calado
Bate e salta o saltimbanco
Bate os olhos com encanto
E a princesa vai bailando
Com jeito de bailarina
Bate na porta o carteiro
E com encanto certeiro
Bate o peito da menina
E assim vamos batendo
E a bater vamos andando
Sem sabermos até quando
E é bem bom que seja assim
Senão bate-nos o medo
Porque agora ainda é cedo
E quando for que seja
- FIM
- FIM
MAR
PAI
Mar
imponente
Velho
mar
De
ondas cãs
Feitas
de espuma
Mar cão
Mar sereno
Sempre tão grande
E eu pequeno
Mar
da sorte
Mar
alimento
Mar
da vida
Mar
da morte
Mar de neptuno
Exigindo imolações
Em seu louvor
Mar português
E Adamastor
Mar
migrante
Em
vai e vem constante
E
sempre agarrado à terra
Companheira
Amante
E porque a terra
É minha mãe
Daqui te saúdo
MAR meu PAI
SINGULAR E
PLURAL
No
seu estilo singular
É
um sujeito plural
Que
usa o discurso direto
No
superlativo valor do verbo
Absoluto
e simples
Dirige
um ideal substantivo
E
sempre novo
Perspetivando
o futuro
No
sentido coletivo
Que
demonstra imperativo
Para
a liberdade do seu povo
E
adjetivá-lo não se atrevam
Que
o verbo pode trair o pensamento
Deturpando-lhe
o sentido
Respeitem-lhe
o passado e o futuro
E
olhem o presente conseguido
E
todos aqueles que amam a verdade
Buscando
a liberdade ao infinito
Respeitem
quem das feridas fez vontade
Levantando
pr’o carrasco
O
punho erguido
(Poema dedicado a Álvaro Cunhal,
entregue em mão ao próprio num encontro de jornalistas, na Voz do Operário, em
Lisboa, e publicado no suplemento cultural do jornal “O Diário”, em 4.1.1987)
PENSAMENTOS
-
Quando um abutre ri
Um passarinho chora!
-
Acontece-me chegar a casa e gritar para mim mesmo:
Ganhei o dia.
Estupidez!
Gastei-o e nem sequer sei se foi bem gasto!
-
Entrei na discoteca amorfo
Embebedei-me de som
Entorpeci-me de ritmo
Saí na mesma
Vazio
E mais teso!
-
O tempo não tem ponteiros
Vive-se na direção que se quiser
Pode ser passado
Presente
Futuro
E até mais que perfeito
Se se acreditar
Mas, o pior de tudo,
É que passa mesmo!
-
A cantiga saiu
Num momento sem regresso
E se calhar ninguém ouviu e viu
E o som perdeu-se em nós
Mas valeu a pena…
…Foi diferente!
-
Jornalista é um individuo que vê um acontecimento
E se encarrega de o transmitir
Com moldura de credo, tendência
E/ou estilo…
Há exceções
Mas é preciso, em qualquer caso,
Saber lê-lo!
-
As diferenças são tantas
Que muita gente, mesmo depois do adeus,
Não consegue um T Zero
Em propriedade horizontal
Num qualquer Prado de Repouso
Outros divertem-se em mausoléus!
E
agora, amigos meus
Com
abraços me despeço
Não
vos vou dizer adeus
Mas
até ao meu regresso