terça-feira, 7 de julho de 2015




POVO NASCI NUMA ALDEIA
POVO SOU NUMA CIDADE
E NÃO SOU VELHO, NEM NOVO
QUE O POVO NÃO TEM IDADE


A NOITE E OS POETAS

Os poetas são loucos
Porque os poetas amam a noite:
            As noites não têm luz
            E se calhar é isso
            Os poetas usam a escuridão
            Para verem para além das coisas
Os poetas são loucos
Utópicos e paradoxais:
            Cantam loas à vida
E suicidam-se, noite dentro
No fumo do cigarro
            E na bebida
Os poetas são loucos
Mas necessários:
            Fazem-nos amar as florestas,
            O mar e as estrelas,
            Os animais
            Ah! E o próprio amor
            Porque,
            Com as palavras,
Que são a sua principal ferramenta,
Pintam a vida
De outra cor
E depois
Porque são loucos
Os poetas perdem-se na noite
Tal e qual como a cigarra
Sobretudo se está escuro
E há silêncio
Para acompanhar o som
De uma guitarra ~


LEVAM-ME OS CAMINHOS

Eu nasci no Minho
Atrás de uma pedra
Levam-me os caminhos
Pr`a fora da terra
           
Eu fui à aventura
Para lá dos montes
Quis embebedar-me
Na água das fontes

Nuns olhos de Moura
Fiquei-me eu cativo
Quero regressar
Mas já não consigo

Que eu nasci no monte
Sem ser semeado
Fruto dos amores
Da Rosa e de um Cravo


EM SONHOS FUI

Cavaleiro andante em meus sonhos fui
Travei mil batalhas em honra das damas
Moinhos de vento que eu combatia
Foram-se na chamado nascer do dia
            Já fui um Camões no meu sonho heroico
            De Goa a Malaca em mil epopeias
Perdi-me nos cantos das vozes supremas
Que dizem ser apenas cantos de sereias
Já fui um pirata, em ilhas desertas,
Enterrei tesouros á luz dos archotes
De espada afiada já cortei as barbas
A um Barba-ruiva e a outros mais fortes
            E de sonho em sonho vou realizando
Minhas mil quimeras, minhas utopias
Por isso eu amo a noite que me dá tais sonhos
Contraste ao real que há na luz dos dias
Sonho em cada sonho que me acontece
Que vou conseguir transformar o mundo
Sou um Don Quixote que não esmorece
Nesta nau furada que não vai ao fundo


OLHOS DOCES

Há olhos que me dizem sem falar
Muito mais do que eu contava ouvir
Há olhos doces, olhos meigos como penas
Que são prisões de onde ninguém quer sair

Há olhos verdes tão profundos como o mar
E olhos azuis que através deles vejo o céu
Olhos castanhos que encantam tanta gente
Que corro o risco de também me perder eu

Há quem diga que pelos olhos se vê a alma
E eu acredito porque sinto que assim é
Ao olhá-los logo se acende uma chama
Que até um ateu neles encontra um mar de fé

Por isso canto os olhos todos que me encantam
Sejam verdes, escuros ou azuis
O que eu preciso é olhá-los nos meus olhos
E de perder-me como peixes nos anzóis


O VENTO SABE O QUE QUER

Cantigas leva-as o vento
Nenhures as deve guardar
E vão da fama ao esquecimento
Se perdidas no momento
Em que se ouvem cantar

Quem me dera que o talento
Me ajude a fazer canções
Que o povo cante ao relento
Naquele contentamento
De quem vive as emoções

Não há nada mais bonito
Que ouvir um povo a cantar
Canções que se tornam um mito
No imaginário infinito
Da cultura popular

Cantigas leva-as o vento
E o vento sabe o que quer
E quem andar bem atento
Pode ouvir o próprio vento
Em contratempo a cantar


FADÁRIO PORTUGUÊS

Somos um velho navio
Adornado e vazio
Sem velas nem remos
Quedos olhamos pró céu
À espera que um Deus
Faça o que não fazemos

Temos as solas furadas
E as pernas cansadas
De andarmos pra trás
É urgente usar o juízo
Navegar é preciso
Para quem for capaz

É urgente largarmos do Porto
Trespassar o mar morto
Pra uma praia maior
É urgente usar o juízo
Navegar é preciso
Sem um Adamastor


ROMARIA NO MINHO

A romaria no Minho
Começa cedinho
Com uma bomba a estoirar
às tantas vem uma banda
“Trarau-catrapamba”
Foguetes no ar
            Vêm bombos redondos
            Cabeçudos medonhos
            De estremecer
            A romaria no Minho
Começa cedinho
            Tem muito que ver
Concertina de voz afinada
Numa desgarrada
Com bombo à mistura
E um terno de vozes perfeito
Cantado a preceito
Com muita ternura
            Um velho com ar de cansado
            Encostado ao cajado
            Folgando o trabalho
            Enquanto fuma um cigarro
            Vai mirando o barro
            Da Rosa Ramalho
Garotas de saias bordadas
Corações e rosas
De todas as cores
As voltas caindo no peito
Naquele seu jeito
De rosas em flor
            Chinelas nas voltas do vira
            Do vira que vira
            E torna a virar
            Na romaria do Minho
            Canta o cavaquinho
            Deixá-lo cantar


D’OURO

O Rio Douro é Dragão
De escamas feitas corrente
É a alma viva da gente
Que enfrenta a fúria do mar
Serpente a enrolar-se no leito
Como um corpo de mulher

É de ouro maduro e de casta
Nas vinhas e nos penhascos
Dos montes feitos cascata
Por onde crescem vinhedos
Outrora vindos nos cascos
Dos velhos barcos Rabelos

É de ouro que ouro não tem
Ontem partida e chegada
De outras terras além

O Douro celebra a vindima
Com bombo e concertina
Vai pisar uvas descalço
Beber de infusa que anima
Relembre velhas cantigas
Que a tradição nos ensina…
            Chora a “bideira”, oh “bideirinha”…


MARIA DOS GUINDAIS

Manhã cedo, escada abaixo
Pra ribeira, vai segura e vai ligeira
A Maria dos Guindais
Bate-lhe o vento na farta cabeleira
E Vai segura e vai ligeira
Vender o peixe no cais
            Merque freguesa, venha ver esta sardinha
            Que é da nossa e tão fresquinha
            Que dá um gosto de ver
É boa assada e frita de cebolada
            Leve freguesa pra casa
Que melhor não pode haver
A tarde vem, chega a hora do regresso
Lá vai ela no seu passo
A subir pelos Guindais
Maria Franca troca sorrisos e avança
Como se fosse criança
A imitar os pardais

Maria doce, afaga os filhos à porta
Vai cansada, meia morta
Mas de chama sempre a arder
É como o Douro a correr em águas soltas
Tão livre como as gaivotas
Naquele jeito de ser
            Merque freguesa…


MARESIAS

O mar é eterno amante desta terra
A quem abraça, a quem namora
A toda a hora
            O mar tem marés que fica bravo
            E eu penso que é de cansado
            De andar à noite a marejar

O mar, em noites de lua cheia
Espraia a preguiça na areia
A descansar
            O mar se às vezes é tormenta
Há que aportar, paciência
Logo, logo, há-de acalmar

E a terra, amante braços abertos
Fica à espera em silêncio
Sem se queixar
            É que ela sabe que ele vai e regressa
            Na maré alta e na baixa
            A murmurar

(1º prémio de poesia no 1º Festival do Mar – organizado pela Camara Municipal de Matosinhos)


TERRA MÃE

Terra mãe
Que num orgasmo perfeito
Pariu o verde das ervas
E o vermelho das flores
Terra mãe
Mirrada pelo tempo
Descoberta pelo mundo
Nos descobrimentos

Terra mãe
É mulher, minha amiga
É peito das raparigas
Nas colinas da serra
Terra mãe
Tu és pólen das flores
De que num ato de amor
Uma abelha faz mel

Terra fel
Emigrada pelo mundo
Cantada num fado
Revivida no vinho
Terra mãe
Tu és ave que volta
Feito um cavalo à solta
Nos campos do Minho


OLHA A BALANÇA QUE DANÇA

Muito pobre é quem nunca teve um amigo
Muito pobre é quem tem dinheiro e não tem
Quando a hora é negra e o momento de perigo
Um conselho amigo e um conforto também
            Olha a balança que dança meu irmão
            Dança, balança e não cai
Muito pobre é quem nunca tem problemas
Que uma vida assim é sinal sem sentido
Pois quando desanda a roleta da sorte
Fica naufragado sem porto de abrigo
            Olha a balança que dança meu irmão
            Dança balança e não cai
Anda meu amigo cantar mil cantigas
Que quem canta espanta o mal que lhe vai
Faz como a balança que dança, que dança,
Dança, balança e não cai
            Olha a balança…


BALADA À COMPANHEIRA

Passaram tantos anos
Numa bela manhã
Manhã fresca em que o sol
Ora dá e não dá
E a manhã ficou linda
Que a morena sorriu
Com o sorriso mais lindo
Que mais lindo não há
            Passaram os anos
Vieram os filhos
Nasceram sarilhos
Que sarilho não dá
Está mais velha a morena
Mais mulher, mais madura
E com o sorriso mais lindo
Que mais lindo não há
E se a noite está triste
Cai a chuva lá fora
E o vento não para
De cá para lá
Abro os olhos, sorrio
Que a morena ali está
Com o sorriso mais lindo
Que mais lindo não há


CANÇÃO DE ACORDAR

Levo o meu filho no colo
Vejam só que graça tem
Sombras da noite calai-vos no solo
Deixai sonhar o meu bem
            Calai-vos almas daninhas
            Que o amanhã já aí vem
            Fantasmas do passado calai ladainhas
Deixai sonhar o meu bem
E agora
Que a noite está na sua hora
Descansa
Que o futuro já lá vem
Deixai sonhar o meu bem
            Oh noite vai descansar
Estrelas sonhem também
Um novo dia não tarda a chegar
Vai acordar o meu bem


EM PAZ
(Dedicada a Angola após a independência)

Vai ouvir-se à noite muita batucada
O bicho no mato, vai fugir de medo
Na cubata nova a velha sentada
Vai contar estórias ao menino negro
            Falta-lhe uma perna que a mina levou
            Faltam-lhe dois filhos que a guerra matou
            Ainda falta à negra longa caminhada
            Mas vai mais animada que o pior passou
Vai beber “malavo”, vai comer “muamba”
Vai cantar de novo “com Muxima ué”
Vai viver a farra até de madrugada
E vai colher na lavra tudo o que criou
            Vai ouvir-se à noite muita batucada
            O bicho no mato, vai fugir de medo
            Na cubata nova a velha deitada
Vai dormir em paz, sonhar em sossego


REQUIEM POR UM PRESIDENTE

Quando o teu Povo me fez ler o teu poema
E entendi de que lado era a razão
Maldisse a sorte de viver sob um sistema
Que me atirava contra um Povo meu irmão

Quando um ideal fez teu Povo vir pra estrada
Que lhe traçaste para ser independente
Quando esse Povo te chamou de Camarada
Valeu a pena, Camarada Presidente

Terra vermelha, relva verde e céu azul
Velam teu corpo para toda a eternidade
E uma estrela brilha viva aí ao sul
A evocar uma manhã de liberdade
            Valeu a pena viver
            Valeu a pena

 (Poema publicado numa coletânea de textos de poetas portugueses com o título de “Um Postal para Luanda”, onde se incluem também textos de José Gomes Ferreira, Ary dos Santos, Luís veiga Leitão, Óscar Lopes, etc.) 


UMA FLOR POR HIROSHIMA

Vai um homem carrega o botão
O botão descarrega a metralha
A metralha desfaz um milhão
Restam cinzas no chão da batalha
Mas o homem renasce da cinza
Rasga a terra e semeia uma flor
            Uma flor…

Nunca mais pode haver Hiroshima
Nunca mais o troar dos neutrões
Que nunca mais pra uma esquadra assassina
Os Açores sejam Porta-aviões
Que esta gente busca paz e sossego
Como a abelha procura uma flor
            Uma flor…

Nunca mais quero ver um sistema
Com tesouras que façam censura
Que nunca mais se cale um poema
Pois é morta tão vil ditadura
E nos canos das nossas espingardas
Primavera, em Abril, já deu flor
            Uma flor…


TRAGO NOS OMBROS

Trago nos ombros divisa flutuante
Trago nas mãos divisas de generais
Com tanta estrela, tanta estrela cintilante
De latão que amachucado
Dá cordas pra violão
Trago nos ossos muitas noites de loucura
Trago nos olhos muitos olhos que eu já vi
Uns eram negros, outros verdes como o cobre
Com verdete, ai quem me acode
Que os azuis andam pr’aí
E trago notas, trago notas musicais
E trago cheques, xeques-mate por demais
Ai quem me acode, quem me acode, quem me acode
 Do que me foi prometido
Eu não vejo nem sinais

Mas estou temperado que o tempo
Ensina a quem quiser ver
E enquanto ando e desando
Não me canso de dizer
            Trago nos ombros divisa flutuante
            E trago notas, trago notas musicais
            Ai quem me acode, quem me acode, quem me acode
            Do que me foi prometido
Eu não vejo nem sinais


CANTO DO SILÊNCIO

Quero ouvir um profundo silêncio à volta de mim
Quero ouvir-me por dentro e sorrir de tanta loucura
Quero ouvir minha força medonha de milhões de átomos
Em silêncio gerando poemas que falam de paz
            E se houver por aí quem quiser
            Dar-se a tanta alegria
            Basta ouvir-se por dentro
            Em silêncio
            Com muita atenção

Quero ouvir as estrelas falarem dos amores da lua
 No ameno silêncio das noites do fim do verão
Quero ouvir o murmúrio das ondas embalando-me os sonhos
No profundo silêncio das águas salgadas sem lágrimas
            E se houver por aí…

Quero ouvir em silêncio as plantas gritarem de cio
Compensando os insetos, nas flores, com sucos de mel
Quero ouvir ainda em silêncio voar andorinhas
No regresso aos beirais ancestrais de mil primaveras
            E se houver por aí…


PELOS AMIGOS ÍDOS
(Peixoto, Zeca, Adriano, Paredes, Zé Viana…)


Começo a olhar sem ver
Tanta gente amiga
Tantos caminhantes
Da mesma utopia
Tanta gente séria
Sempre a olhar em frente
Gente tão diferente
Gente a mim unida

E sinto cá dentro
Tanta nostalgia
Chamem-lhe saudade
Ou outra coisa assim
E eu vou caminhando
Sei lá até quando
E eles no destino
À espera de mim


38 ANOS DE CASADOS
(9.5.2008)


38 Anos de casados
Tão lealmente passados
(como passaram depressa)
Mil alegrias, mil tristezas
Tantas dúvidas, certezas
Mas cumprimos a promessa

E o segredo deste tempo
A projetar no futuro
São carinhos, emoções
Que os dois vamos pagando
Em recíprocas, muito ternas
E suaves prestações


LOBO DO MAR DA AFURADA

O meu barco é um velho veleiro
Navegando ao sabor do vento
Deste vento que é meu companheiro
Pela rota do meu pensamento

Largo a barra à luz do luar
Cada onda é mais um desafio
Solto a vela, sou um lobo do mar
Sigo a sina por onde me guio

É que este fado, nem sequer é um fado
É meu destino, mera fantasia
Cada dia passado é passado
Navegando da noite pr’o dia

Lanço as artes já a noite vai alta
Pesco hoje o que como amanhã
E se o peixe na rede já salta
Vendo a sorte ao raiar da manhã

E o meu barco lá vai navegando
Chego ao Porto disposto a atracar
Vou ao leme e dou voz de comando
Com voz rouca de lobo do mar


MARIA

Ia o sol no poente
E de uma aldeia distante
Fugiste Maria
A bagagem era o corpo
A aventura um sonho louco
Maria

Um senhor deu-te boleia
No caminho a tua estreia
Maria
Caíram sonhos, fantasia
Caíste no mundo
Vazia

E quando a noite vier
Sentada num bar
Cerveja a granel
Noites de bordel
Oh Maria

E um olhar de criança
Vadio na Rua da esperança
Que futuro lhe dás
Oh Maria
Que futuro terás
Maria
Minha irmã
Tão triste!


IRÓNICO

Foi presidente casmurro
Em tempos de má memória
Alguns chamavam-lhe burro
Outros Cabeça de abóbora

Era o cabeça de abóbora
Por ter a tola rapada
Por fora nem um cabelo
Por dentro não tinha nada

Ia um dia em viagem
Com comitiva erudita
Pr’o costumeiro trabalho
De cortar mais uma fita

E deu-lhe então para reparar
Que os postes de alta tensão
Passavam que nem foguetes
Em contrária direção

Levantou-se e disse:

Que andar depressa, senhores
Não há coisa que mais goste
Está combinado excelências
Pr’a baixo vamos de poste…


PONTES VELHAS DO DOURO

Pela ponte velha vou a Vila Nova
Pela ponte nova vou a Coimbrões
Vou a Coimbrões, vou a Canidelo
E estas pontes velhas
Já me metem medo

Pela ponte velha vou a Mafamude
Vou a Santo Ovídio, a Santa Marinha
Pale ponte Nova eu vou à Afurada
E vou  a Crestuma
Pelo rio acima

E vou de comboio na D. Maria
Balança, balança, oxalá não caia

Pelo rio abaixo eu vou à Afurada
Vou a Coimbrões
Vou a Canidelo
Que estas pontes velhas
Já me metem medo


PUTO DA SÉ DO PORTO

Um putozito da Sé
A um turista dizia
Se me der duas moedas
“Messieu” faço de guia

Quem vem da ponte velhinha
Subindo chega à Batalha
Nas paredes há cartazes
Do cinema da “maralha”

Em 31 de Janeiro
Vê-se Santa Catarina
E S. Bento é lá no fundo
A Liberdade é mais acima

Os Aliados é a sala
Pr’a onde levo as visitas
“Messieu” pelo trabalho
Dê-me duas moeditas

Desculpe lá “Messieu”
Se não me fiz entender
Mas fui criado na rua
E mal sei ler e escrever
                Um tostãozinho, um tostãozinho…


A VIDA CONTINUA

Quem é cego vê
Com os olhos da alma
Quem é surdo ouve
Quando a razão chama
            Anda meu amigo
            Comigo pr’a rua
            Porque a vida continua
Se as pernas esquecidas
Não te dão sustento
Não fiques parado
Nem mais um momento
            Anda meu amigo
            Comigo pr’a rua
Porque a vida continua
Pinta com a boca
Se a mão não te ajuda
Canta com os olhos
Se a vida está muda
            Anda meu amigo
            Comigo pr’a rua
            Porque a vida continua
                        Anda meu amigo
Buscar o sustento
Não fiques parado
Nem mais um momento

 (Canção escolhida pela UCNOD – União Coordenadora dos Organismos de Deficientes, como hino do ano Internacional dos Deficientes em 1982)


CANTO DO VELHO


Deste corpo quanto suor me saiu
Para amanhar o duro pão que vos criou
Mãos ressequidas por um tempo que traiu
Meigas carícias de uma infância que passou

Destes lábios quantos beijos eu vos dei
Quando fui pai, quando fui tio e fui avô
Por isso choro este canto em que fiquei
Que eu não mereço que me deixem ficar só

Mas não vos peço um simpático lamento
Nem tão pouco que me façam caridade
Exijo a reforma que me garanta o sustento
E me permita estar de pé, COM DIGNIDADE

(Poema oferecido ao MURPI-Movimento Unitário de Reformados Pensionistas e Idosos)


SANTA TECLA DE BASTO


Santa Tecla é minha terra
Lá no Minho semeada
Nas veias corre-lhe o vinho
Nas mãos os calos da enxada

Caminhos cheios de lama
Pão que o diabo amassou
E há quem diga que a fartura
Por ali nunca passou

Santa Tecla de Basto
Não recua, nem avança
Restam velhos e mulheres
Que os novos foram pr’a França

Senhora Mãe…já vou!


CANTO DE LUTA

E viva a noite em que labuta o padeiro
Que hora a hora amassa o pão que se come
Viva a ambulância, o 112 e o Bombeiro
E viva o fogo em que este Povo se consome

E viva o riso das crianças na escola
Que é com amor que todo o mundo faz futuro
Viva a manhã pr’a que Pedreiro faça casas
De pedra e cal, vidros e cimento puro

Pelo dia fora, nos campos, suor amigo
Um Povo duro, com amor trabalha a terra
E aves cinzentas fazem sombra ao nosso trigo
Pisam os cravos e às pombas brancas fazem guerra

E quem nos rouba este dinheiro que não temos
E quem nos trai e cede a vis imposições
Tenta matar-nos toda a esperança que nós temos
Mas viveremos e amanhã SOMOS MILHÕES


EVOCANDO GEDEÃO

Não me conhecias
Mas eras meu amigo
Porque soubeste dizer
Quando eu precisava
As palavras necessárias
            Com os teus poemas
            E físicas experiências
Criaste sonhos filosofais
            Que a minha geração
            Sonhou cantando
            Pr’a que o futuro se cumprisse
            E todo o mundo avançasse
E porque a tua obra
A todos serve
Parafrasearei a usada norma
De que na natureza
Nada se cria nem se perde
Mas que, com os nossos sonhos,
Tudo se transforma


PUTO DA RUA

Ai quem me dera
Ser um putito da rua
Andar a brincar à solta
À sameira e ao pião
Sonhar à toa
Rir de tudo com vontade
Correr os cantos da cidade
Chamar ao rio meu irmão

E num mergulho
Defender a minha equipa
Chutar a bola pr’a longe
E festejar a vitória
Dormir cansado
Numa viela qualquer
Poisando a minha cabeça
No colo de uma mulher

Ai quem me dera
Usar a pasta da escola
Jogar no recreio à bola
Sem pensar no meu futuro
Ai quem me dera
Nunca tivesse crescido
Assobiar à vontade…
Ser um puto divertido


O ETERNO JOVEM
(Dedicada ao meu falecido tio Serafim de Magalhães, grande animador de serões, festadas e romarias)

Tive um tio velho/jovem
Muito mais jovem que eu
Sempre pronto a aproveitar
O melhor que a vida deu

Relembro aquele velho
A tocar a concertina
Animando a própria vida
Por tantas noites acima

Com rugas feitas sorriso
Contava estórias, contente
Embrulhando a própria vida
Como se fosse um presente

E este velho ao partir
Deixou-me muita saudade
E a lição que ser jovem
Não tem a ver com a idade


S. JOÃO DAS FONTAINHAS

S. João das Fontainhas
Porto velho, Porto novo
Tem cheiro a ervas daninhas
De alfazema e alho-porro

Folgar de gente sadia
Que ri de tudo e de nada
E esta cidade que é minha
Tem por rainha a noitada

S. João das Fontainhas
Vai da Batalha ao Bolhão
Vai à Foz e às Condominhas
E na Praça olh’o balão

E depois dessa noitada
Acorda o dia a folgar
Com cheiro a sardinha assada
E voz rouca de cantar


À ROSA MOTA

Não tem espinhos
Mas sorrisos
Nas pétalas do rosto
E nos olhos tranquilos

O corpo é franzino
Mas de força indomável
Não é flor
É uma ave
Que voa por nós
É uma rosa e um cravo
Com raízes na Foz

É do jeito do povo
Que fez neste mundo
Aquilo que fez
É orgulho de novo
Maratonas de esperança
De ser português


ESTRADA FORA
(Dedicada aos emigrantes, em especial à família Pinheiro, de Feysin – Lyon – França, que me acolheu como família em sua casa, com um abraço e muita amizade)

São quilómetros e quilómetros a fio
A desfiar naquela estrada, com canseira
Em cada metro, em cada curva, um desafio
Por essa terra que pr’a nós é passageira

E entre o ir e o voltar passa-se a vida
Sempre com a esperança de voltar, em cada instante
Que a nossa terra é como a terra prometida
Que em mil cantigas se vai dando ao emigrante

Tocam os sinos e há foguetes no regresso
E o tempo foge mais depressa que uma enguia
Volta-se à estrada que se vence metro a metro
Volta-se à vida que se vive – o dia-a-dia

Também sou emigrante, aqui, no meu país
Fora da terra, do meu Minho, aqui à beira
Tal como vós sou uma ave que não quis
Morrer à fome, no seu ninho, sem canseira


FOI EM MAIO

Naquele dia…
Os milhafres
As cobras
Os lacraus
Os vampiros
E os cucos
Costumam esconder-se
Nos seus castelos
De papel
E de títulos

Enquanto isso
Pombas brancas
E gritos vermelhos
Elevam-se em cravos
Das pedras da Avenida
Da Liberdade

Naquele dia…
Faz anos
Muitos anos
Todos nós fomos massacrados
Em Chicago…
MAS VENCEMOS

Amanhã…
Com o que conquistarmos
FAREMOS MAIS CEM ANOS.



RECEITA DE AMOR

Juntam-se bem quatro olhos
Negros, azuis, pouco interessa
A fermentar de desejos
À espera que a massa cresça

Junta-se ainda aventura
Muita pimenta e então
Ficam os dois a levedar
Ao ritmo do coração

Metem-se em forno suave
Bem temperados pela vida
E o tempo fará o resto
Enquanto a chama é aquecida

Esta receita é servida
À luz da lua ou da vela
Espero que ela vos preste
Mas é preciso cautela

Muita atenção às misturas
Pr’a não ficar estragada
Esta receita de amor
Se não for bem aviada


MAR E SONHOS

Quantas vezes nossos sonhos
São marés e fantasias
Quantas vezes acordamos
E o paladar que notamos
Sabe a sal e maresias

Quantas vezes nossos sonhos
São sonhos de marinheiro
Cruzando o verde do mar
Numa noite de luar
Dentro de um velho veleiro

Há quem diga que viemos
Há milhões de anos do mar
E enquanto nos transformamos
Não é em vão que sonhamos
Os sonhos de marear

Quantas vezes nos meus sonhos
Golfadas de ondas do mar
Vêm correr-me nas veias
Enquanto oiço as sereias
Cantando prá me encantar


PACTO

Houve um pacto entre Deus e o Diabo
Sobre um país chamado Portugal
Pacto assinado a verde e a vermelho
Não publicado nas manchetes dos jornais
            Deus escolheu o mar e os peixinhos
            O Diabo tomou conta do poder
            Escolheu reis, presidentes e outros tal
            Que pior nem sequer podia haver
Mestre Diabo povoou o território
Com muitas raças, religiões e afins
Ninguém se entende de modo satisfatório
E a vigarice vai atingindo os seus fins
O Diabo nomeou os seus gestores
Todos doutores e entendedores de traficância
Deu-lhes poder, deu-lhes leis e seus favores
E mordomias da mais gravosa importância
Começa o verão e o Diabo lança o fogo
Vende as empresas que pertencem ao país
E em troca dá de barato pró povo
A ideia que vai ser muito feliz
            Quando há bonança e muito peixe pr’a pescar
            Deus com bondade deixa vir os espanhóis
            E os pescadores portugueses a mirrar
            Vão para o campo à pesca de caracóis
CONCLUSÃO: DE PACTO EM PACTO SE LIXA O MEXILHÃO!


BEM BATIDO
Bate o bombo que é redondo
Bate a caixa com estrondo
E acertam de vez em quando
Bate a pala um soldado
Bate o carro no passeio
Bate em cheio com paleio
Um ministro em todo o lado
            Bate a massa o pasteleiro
            Bate a luz do candeeiro
            Bate a lata o funileiro
            Bate a chuva na janela
            Bate a roupa a lavadeira
            Corte e cose a costureira
            \bate o tacho e a panela
Bate a caixa e bate o bombo
Bate um raio com estrondo
Bate o mundo que é redondo
Na rota do quadrado
Bate a mulher no polícia
Bate o cabo da milícia
É melhor estar calado
            Bate e salta o saltimbanco
            Bate os olhos com encanto
            E a princesa vai bailando
            Com jeito de bailarina
            Bate na porta o carteiro
E com encanto certeiro
Bate o peito da menina
E assim vamos batendo
E a bater vamos andando
Sem sabermos até quando
E é bem bom que seja assim
Senão bate-nos o medo
Porque agora ainda é cedo
E quando for que seja 
- FIM


            MAR  PAI

Mar imponente
Velho mar
De ondas cãs
Feitas de espuma
            Mar cão
            Mar sereno
            Sempre tão grande
            E eu pequeno
Mar da sorte
Mar alimento
Mar da vida
Mar da morte
            Mar de neptuno
            Exigindo imolações
            Em seu louvor
            Mar português
            E Adamastor
Mar migrante
Em vai e vem constante
E sempre agarrado à terra
Companheira
Amante
            E porque a terra
             É minha mãe
            Daqui te saúdo
            MAR meu PAI


SINGULAR E PLURAL

No seu estilo singular
É um sujeito plural
Que usa o discurso direto
No superlativo valor do verbo

Absoluto e simples
Dirige um ideal substantivo
E sempre novo
Perspetivando o futuro
No sentido coletivo
Que demonstra imperativo
Para a liberdade do seu povo

E adjetivá-lo não se atrevam
Que o verbo pode trair o pensamento
Deturpando-lhe o sentido
Respeitem-lhe o passado e o futuro
E olhem o presente conseguido

E todos aqueles que amam a verdade
Buscando a liberdade ao infinito
Respeitem quem das feridas fez vontade
Levantando pr’o carrasco
O punho erguido

(Poema dedicado a Álvaro Cunhal, entregue em mão ao próprio num encontro de jornalistas, na Voz do Operário, em Lisboa, e publicado no suplemento cultural do jornal “O Diário”, em 4.1.1987)


PENSAMENTOS

- Quando um abutre ri
  Um passarinho chora!

- Acontece-me chegar a casa e gritar para mim mesmo:
   Ganhei o dia.
   Estupidez!
   Gastei-o e nem sequer sei se foi bem gasto!

- Entrei na discoteca amorfo
   Embebedei-me de som
   Entorpeci-me de ritmo
   E enfumei-me de cor
   Saí na mesma
   Vazio
   E mais teso!

- O tempo não tem ponteiros
  Vive-se na direção que se quiser
  Pode ser passado
  Presente
  Futuro
  E até mais que perfeito
  Se se acreditar
  Mas, o pior de tudo,
  É que passa mesmo!

- A cantiga saiu
  Num momento sem regresso
  E se calhar ninguém ouviu e viu
  E o som perdeu-se em nós
  Mas valeu a pena…
  …Foi diferente!

- Jornalista é um individuo que vê um acontecimento
  E se encarrega de o transmitir
  Com moldura de credo, tendência
  E/ou estilo…
  Há exceções
  Mas é preciso, em qualquer caso,
  Saber lê-lo!

- As diferenças são tantas
  Que muita gente, mesmo depois do adeus,
  Não consegue um T Zero
  Em propriedade horizontal
  Num qualquer Prado de Repouso
  Outros divertem-se em mausoléus!


E agora, amigos meus
Com abraços me despeço
Não vos vou dizer adeus
Mas até ao meu regresso